
Das coisas que são substituíveis
Quem já trocou de emprego ou mesmo de sessão no trabalho, entre os costumeiros elogios da despedida, deve ter ouvido o famoso “ninguém é insubstituível”.
De fato, sempre virá alguém que, na passagem dos dias, aprenderá o que você de outro aprendeu e dará conta do recado.
Mas será que tudo na vida é substituível? Parece que sim.
A gente sempre ouve falar isso. E algumas vezes, de tanto ouvir o chavão, acabamos por reproduzi-lo. Automaticamente.
Então está decidido: tudo na vida é substituível.
Me peguei pensando nisso desde cedo.
Enumerei coisas, listei objetos, pensei em nomes... quantas coisas e pessoas eu substitui ou planejei substituir na vida! Caramba!
Mas, à medida que caminhava do externo pro interior, do de fora pro de dentro, de repente divergi.
Aí, eu comecei a duvidar.
Existem coisas que, realmente, uma outra pessoa pode fazer com a mesma perícia que você, ou talvez até melhor.
É possível substituir o dentista e o professor de ginástica localizada.
É possível trocar de padaria e comer pão quente no café da manhã, sem que seu paladar reclame da troca de padeiro.
É possível trocar os móveis da sala, do quarto, a geladeira que foi fazendo mais e mais barulho com o passar dos anos. E trocar de objetos é até mais fácil. Menos doloroso que trocar as pessoas com as quais construímos nosso ciclo do cotidiano.
É possível trocar de amante. A gostosa de quarenta por duas de vinte ou o garotão inexperiente pelo quarentão de olhar sedutor e performance nota dez.
Mas se você parar e pensar bem, verá que nem tudo é substituível na vida.
Não dá para substituir o primeiro animalzinho de estimação ou a cumplicidade do irmão preferido.
O amigo de infância com quem roubava mangas e tomava banho escondido no rio, e do qual você não escuta falar a décadas.
Não dá para substituir a lembrança da casa do avô, onde tudo cheirava a eternidade, mesmo sabendo que o avô já não existe mais e sua casa foi demolida para dar lugar a uma oficina ou a uma loja de peça de motocicleta.
Não dá para substituir o gesto do estranho que estendeu a mão quando você caiu da bicicleta e recomendou arnica para o ferimento não inflamar.
Não dá para substituir a paciência do pai ensinando a andar na tal bicicleta.
Não se substitui o amigo de faculdade que foi morar em outro país e não sabe quando voltará por aqui. Talvez nunca volte.
Não são passíveis de substituição: o livro preferido; o gibi da infância; goiabada com queijo; a camiseta já surrada, presente da tia que mora longe; o lençol de flanela nas noites de frio.
Dá para substituir amor de mãe?
Não dá.
Um pai não substitui o filho que morreu.
Não se substitui o afeto.
Não é possível substituir o amor.
Encontra-se outro. Mas nunca é o mesmo.
Pessoas vão e vêm na nossa vida, porque, ao que me parece, essa é uma das leis silenciosas do universo. Com algumas coisas também é assim.
Mas cada uma delas se torna insubstituível, quando acessa e se instala nas gavetas do nosso coração.
Eliano Lima

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