sexta-feira, 22 de maio de 2009

Sai de cena Zé Rodrix...




Auto-necrológio de Zé Rodrix

"Felipe:

Em resposta a seu completissimo questionario passo-lhe às mãos minhas especificações para passamento e eventual necrologio.

Há alguns anos, gostaria de ter a causa-mortis preferida de meu pai: assassinado aos 98 anos de idade com um tiro dado por um marido ciumento que o tivesse pego em pleno ato… mas hoje nao mais. Pode ser de fulminante ataque cardiaco, dentro da minha biblioteca, perto o suficiente da familia e dos amigos mas afastado o bastante para que, alertados pelos cachorros da casa, ja me encontrem morto, com um sorriso nos labios.

Pode sepultar-me em pleno mar, sob a forma de cinzas, ja que nao poderei ser sepultado in totum no jardim da minha casa. Se conseguirem isso, no entanto, que nao cobrem entradas para visitação, à moda do irmão da princesa: deixem que alem das pessoas os passarinhos e os animais da casa se refestelem no lugar, renovando diariamente o eterno ciclo da Natureza.

Ao enterro devem, atraves de convite formal, comparecer todos que foram aos meus lançåmentos de livro: nada mais parecido com um velorio do que isso. Peço parcimonia nos efluvios emocionais: já as risadas devem ser francas e sem limite. Creio inclusive que prepararei com antecedencia uma fita de piadas gravadas para animar o velorio e manter o pessoal na boa. Como dizia o Bozo, “sempre rir, sempre rir….”

La so deixarei a mim mesmo: mesmo os inimigos que comparecerem para ter certeza de que estou realmente morto podem voltar para casa em paz. Nao pretendo puxar a perna de ninguem à noite e nem assombra-los depois de morto.

Já os amigos podem contar comigo: havendo vida após a morte, volto para avisar, da maneira mais pratica e menos assustadora que me for possivel. A cremação deve ser feita depois que todos forem embora cuidar de seus proprios afazeres: enfrentar as chamas do forno terrestre ja será um gardne introito para a vida eterna.

Se conseguir, tentarei ser crooner da grande Orquestra de Jazz do Inferno, vulgarmente chamada de SATANAZZ ALL-STARS: como ja vou chegar la tenente ou capitão, dada a minha imensa taxa de maldades realizadas sobre a Terra, creio que nao será dificil. Meu castigo certamente será cantar MPBdQ por toda a eternidade, mas mesmo com isso ainda se pode encontrar algum prazer, assim na terra como no inferno….é o que veremos a seguir.

No enterro podem tocar de tudo, menos as musicas que eu tenha feito. Mnha morte servirá certamente para que se livrem nao apenas de mim mas tambem de minhas obras. Os herdeiros tambem nao merecem ouvi-las, sabendo que nada herdarão de minha lavra, porque, sendo eu adepto da politica do VAI TRABALHAR, VAGABUNDO, como meu pai fez comigo, ja tomei providencias para que essas musicas nao lhes rendam nem um tostão furado. Sendo um velorio moderno, recomendo musicas de carnaval antigo, as indiscutiveis, claro, com algumas discretas serpentinas e confetes jogadas sobre o caixão, fechado, naturalmente.

Morrer num Sabado à tarde, ser enterrado num Domingo antes do almoço, e estar completamente esquecido na manhã de Segunda, sem atrapalhar a vida profissional de ninguem: eis a perfeição que desejo na minha morte.

Muito grato.

Beijos

Z"



Na Aventura Musical de hoje, trouxe este texto que Zé Rodrix escreveu em 2004 falando do sua própria morte ao poeta Felipe Cerquize. Nas músicas de Zé Rodrix havia humor, havia flosofia, havia muito amor e um pouco de sacanagem, tão necessária. Havia crítica e auto-crítica. Havia muita alma, muita sinceridade. O suficiente para nos inspirar por muito tempo. Ele parecia ser consciente do tempo limitado que tem o ser humano e fez questão de deixar muito de si para nós. Ainda bem. As letras, melodias, harmonias e ritmos de Zé Rodrix sempre me disseram muito mais que apenas música.

Temos o Zé aqui, moçada. Em outros formatos que não a base de carbono: o formato .mp3, o formato .wave, o formato livro, o formato vídeo, o formato lembrança de um homem que disse porque tinha o que dizer.

Obrigado pelas coisas pequenas, Zé!

Ouçam a mais bela composção de Zé Rodrix (Casa no Campo) na voz também da saudosa Elis Regina:

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Um comentário:

M@rly Zapolla disse...

Aqui inauguro este tema...Zé Rodrix...
"....Eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar do tamanho da paz
E tenha somente a certeza dos limites do corpo, e nada mais...
Onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros
E nada mais...." Com simplesmente Elis cantando...O q mais pode se querer???Mto, mas isto é uma pérola preciosa e rara.
Este texto De Zé sobre sua própria morte, descrito com riqueza de detalhes, podia até ter melodia e virar música .E vc, Bibico, sempre nos presenteando com coisas q tira do fundo do "Baú do Bibico", pra enxergarmos as "raizes" da vida de cada cantor.Lindo texto,Bibico.Linda música.Bela homenagem!!!!E acredite, ví Zé uma única vez pessoalmente, na porta do SESC Pompéia onde iria fazer uma gravação, 2 ou 3 dias antes sua morte....Os carros passavam buzinando e cumprimentando o compositor/cantor,q respondia com um oi e um sorriso... Coincidências da vida...
Parabéns mais uma vez!!!!!!Bjo